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Aprendiz de Teologia e Filosofia

sexta-feira, 16 de julho de 2010

A Vontade humana (parte 2)


 Vendedores da Verdade ou Quanto vale um quilo do Cristo?

A história nos ensina que de oportunistas estamos mais do que (desa)costumados. Por querer saber o homem atropela o limite  do diálogo. por. Ensimesmando por sua aparente verdade, o ser humano faz atrocidades piores no campo da comunicação do que está acostumado. Fazer miatismoem nome de uma aparente razão, não preocupa. Os resultados numerosos mas, sistematicamente desorganizados, deixam claro que o que é comunicado interessa mas depois frustra. Isso resume o homem. A observação de Kant está em ordem correta.  

                         "O campo do conhecimento antropológico pode ser delimitado nas seguintes questões:
                          Primeiro, no que eu posso saber? Segundo, o que eu devo fazer? Terceiro, o que posso
                          esperar? E quarto, o que é o homem?1

Bom, a identidade entre o necessário e o livre é inseparável dessa subversão conceitual, que permite ao filósofo demonstrar que, sendo a mente idéia do corpo, aquele que tem um corpo apto à pluralidade de afecções simultâneas tem uma mente apta à pluralidade de idéias simultâneas, de maneira que a liberdade humana é potência para o múltiplo simultâneo quando este se explica apenas pelas leis necessárias de nossa natureza, deixando de identificar-se com o exercício do livre arbítrio como escolha voluntária entre possíveis. Logo, perguntamos: que livre arbítrio tem o indivíduo para per si, comunicar o incomunicável e ser detentor de retórica tal que arrasta multidões?2

Li recentemente um texto de PINK onde ele antcipa a maior feira religiosa, que colocaria os erros da igreja católica em segundo plano para os reformadores, frente a tão urgente correção do mais infame e farisaico equivoco da história do cristianismo:

"Os apóstolos de Satanás não são donos de bares e negociantes de escravos brancos; em sua maioria, eles são ministros do evangelho ordenados por igrejas.
Milhares dos que ocupam os púlpitos das igrejas modernas não estão mais arrojados em apresentar as verdades fundamentais da fé cristã; eles deixaram de lado a verdade e se entregaram a fábulas. Em vez de magnificarem a grande vileza do pecado e revelarem as suas eternas conseqüências, tais ministros minimizam o pecado, por declararem que este é apenas uma ignorância ou uma ausência do bem. Em vez de advertirem seus ouvintes a fugirem da “ira vindoura”, tais ministros tornam Deus um mentiroso, por declararem que Ele é muito amável e misericordioso e que, por isso mesmo, não enviará qualquer de suas criaturas para o tormento eterno. Em vez de declararem que, “sem derramamento de sangue, não há remissão”, tais ministros apenas apresentam Cristo como o grande exemplo e exortam seus ouvintes a seguirem os passos dEle." 3                    
O que temos de moral nos pulpitos modernos, são em sua maioria, subproduto do que foi ensinado na teoria e omitido na prática. quando de longe, estudamos o comportamento humano, notamos uma sociedade que está cada vez mais insensivel ao logos. Distantes da única portadora desta palavra, vagam sem direção.  Os que ainda não deram ouvidos ao fraco evangelho que promete não fazem questão de pagar por um Deus engarrafado. Os que já tem o seu exemplar, aguardam seu triste fim: a frustração. O atual sistema, oferece ao indivíduo uma retórica mercadológica, eminentemente antropocêntrica e carregada de subjetividade, como definiu Hegel 4, sofisticadamente rebuscada de uma pretensão de resolver o problema do homem, eliminando a questão de Deus e matando a vontade do homem. Uma pergunta nos cabe agora. Tem a teologia dos pulpitos modernos oferecido os pertences do 'Proprietário', sem apresentá-lo aos que festejam a "fé"?

Fonte:
1 KANT, Immanuel. Lógica. São Paulo: Editora Abril, 1996.
2 MONDIM, Battista. Definição Filosófica da pessoa humana. São Paulo: EDUSC, 2ª Ed., 1998.
3 PINK, Arthur W. La interpretación de las Escrituras. Lion:Editorial Nodo , 1981.
4 HEGEL, Friedrich. Fenomenologia do Espírito. Petropolis: Editora Vozes, 2001.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Vontade Humana (parte 1)

Numa questão do compartilhar, vamos pensar em termos de vontade humana acima do si. Lembrando que para Espinosa, a liberdade é a identidade de si consigo. Ele demonstra que o conatus é o único fundamento da virtude, uma vez que esta não é senão a força do corpo e da mente para afirmar-se como causa adequada (ou causa interna total) de suas ações, isto é, para ser plenamente uma potência de agir (potentia agendi) que encontra em si mesma a causa total de suas ações. Daí a sua recusa da tese cartesiana de que além da razão, há um imperium absolutum da vontade sobre as paixões. Espinosa afirma a moderatio como expressão da potência da mente (potentia mentis) ou imperium rationis, capaz de moderar as forças afetivas e regular racionalmente seus próprios conflitos (CHAUI). Certamente, dentre os aspectos mais surpreendentes e perturbadores da ética espinosana estão a afirmação da necessidade livre ou da livre necessidade, a subversão dos conceitos de paixão e ação, na medida que, ao contrário da tradição, deixam de ser termos reversíveis (a paixão como lugar de recepção de uma ação, seu terminus ad quem; a ação como lugar de onde parte uma operação, seu terminus a quo, posições que podem inverter-se, de sorte que uma paixão será ação e uma ação, paixão) para se tornarem intrinsecamente distintas, de tal maneira que a uma mente passiva não corresponde um corpo ativo, nem a um corpo passivo corresponda uma mente ativa, pois corpo e mente são passivos ou ativos juntos e simultaneamente. Essa mudança conceitual é o que permite a Espinosa elaborar uma ciência dos afetos e não uma teoria das paixões. De fato, a reversibilidade dos termos sempre tornou impossível uma demonstração causal perfeita de cada um deles, pois a causa aparecia como algo nômade, migrando do corpo para a alma e desta para aquele1.
Além disso, a identidade entre o necessário e o livre é inseparável dessa subversão conceitual, que permite ao filósofo demonstrar que, sendo a mente idéia do corpo, aquele que tem um corpo apto à pluralidade de afecções simultâneas tem uma mente apta à pluralidade de idéias simultâneas, de maneira que a liberdade humana é potência para o múltiplo simultâneo quando este se explica apenas pelas leis necessárias de nossa natureza, deixando de identificar-se com o exercício do livre arbítrio como escolha voluntária entre possíveis.
A liberdade não se encontra, portanto, na distância entre mim e mim mesma – distância que, usando a razão e a vontade, eu procuraria preencher com algo que não sou eu mesma –, porém, ao contrário, é a proximidade máxima de mim comigo mesma, a identidade do que sou e do que posso. “Toda coisa se esforça, tanto quanto está em si, para perseverar no seu ser” e “O esforço pelo qual toda coisa se esforça para perseverar no seu ser não é senão a essência atual dessa coisa”; – “O esforço com que toda coisa se esforça para perseverar no seu ser não envolve um tempo finito, mas um tempo indefinido” e “A mente, quer enquanto tem idéias claras e distintas, quer enquanto tem idéias confusas, esforça-se para perseverar no seu ser por uma duração indefinida e tem consciência de seu esforço” (Spinoza). Assim, Espinosa oferece a definição do desejo (cupiditas) como essência do homem: “O desejo é a própria essência do homem enquanto esta é concebida como determinada a fazer algo por uma afecção nela encontrada”. Conatus é o esforço que uma coisa singular realiza para permanecer no seu ser (no corpo, são os movimentos ou afecções internos e externos; na mente, o esforço para conhecer; os dois esforços são inseparáveis e constituem a essência atual de um ser humano). Conatus e cupiditas, isto é, esforço de autoperseveração no ser e desejo são o mesmo. é o único fundamento da virtude, uma vez que esta não é senão a força do corpo e da mente para afirmar-se como causa adequa-da (ou causa interna total) de suas ações, isto é, para ser plenamente uma potência de agir que encontra em si mesma a causa total de suas ações. É essa idéia da li-berdade que permite a Espinosa fazer uma demonstração espantosa, a saber, que se nascêssemos livres isso não significaria que estaríamos inteiramente imersos no bem e banhados pelo conhecimento dele, e sim que não teríamos sequer como formar qualquer conceito de bem e mal, isto é, não teríamos nenhuma experiên-cia de uma distância entre nós e nós mesmos. Porque a liberdade é essa proximi-dade plena de si consigo mesmo e poder para o múltiplo simultâneo, dois afetos alegres3 – um deles passivo e o outro, ativo – a exprimem enquanto processo: a hilaritas, como transitio (ou o equilíbrio interno experimentado na passagem de uma realidade, força ou perfeição menor a outra, maior, ou seja, no crescimento da potência de agir), e a aquiescentia in se ipso, como equilíbrio interior permanente. De fato, em ambos, a totalidade complexa e integrada dos constituintes do corpo e da mente é experimentada como equilíbrio interno, como adequação de si a simesmo e, no caso da aquiescentia in se ipso ou do contentamento interior, como permanência ativa na autocontemplação da potência de agir (Spinoza).
Enfim, não menos desconcertante é a demonstração espinosana de que uma idéia é um afeto e de que todo afeto é uma idéia, ou, em outras palavras, que não há diferença nem distância entre afeto e inteligência porque o desejo (cupidi-tas) é a própria essência do homem “enquanto se concebe determinada por qual-quer afecção a fazer algo” e, como explica Espinosa, “por afecção da essência hu-mana entendemos qualquer constituição de sua essência, quer inata , quer se conceba pelo atributo do só pensamento, quer pelo da só extensão, quer se refira a ambos simultaneamente”.O que significa afirmar a identidade do conatus, da cupiditas e da potentia mentis? Ou melhor, o que significa recusar distância e separação entre eles? Para o que nos interessa aqui, significa, evidentemente, recusar que entre o desejo e a inteligência se interponha a vontade, que esta seja responsável pela ação e que essa ação voluntária seja governar os afetos. Eis por que o enunciado da proposição, que encerra a Ética (e que pusemos como epígrafe de nosso texto), altera o sentido estóico do adágio “a felicidade não é o prêmio da virtude, mas a própria virtude”, ao acrescentar que não fruímos dela porque refreamos as paixões, coerção que o estóico atribuía à vontade, e sim que porque a fruímos, refreamos as paixões, uma vez que a virtude não é senão a potência da mente para conhecer.Assim, um dos aspectos mais inovadores e perturbadores da ética espino-sana está na demonstração de que a vontade não tem absolutum imperium sobre os afetos e que nossa força ou virtude está na força de nossa mente para moderá-los. Essa demonstração, que assume tons e sentidos múltiplos no decorrer da Ethica (dependendo do lugar em que apareça e dos destinatários a que se dirija), possui dois pressupostos básicos. Um deles, examinado sobretudo na Parte IV, é a finitude da força humana, que transparece seja na incomensurabilidade entre ela e a infinidade de forças externas que a rodeiam e atuam sobre ela tanto na ordem comum quanto na ordem necessária da Natureza (de tal maneira que há duas paixões irredutíveis à ação: o medo e a esperança, expressões dos riscos que espreitam a duração do conatus, a qual é, de direito, indefinida, pois ele é um positivo intrinsecamente indestrutível), seja no papel conferido às noções comuns da razão, que asseguram que a virtude é inseparável da concórdia e da compreensão e que, portanto, somente na paixão os homens são contrários uns aos outros porque a paixão envolve negação e contrariedade. O outro pressuposto é a articulação entre absolutum imperium e vontade livre ou livre arbítrio, de um lado, e entre moderatio e inteligência ou razão/reflexão, de outro.

Fonte:
CHAUI, Marilena. Imperium ou Moderatio? Publicação do Depto. de Filosofia, FFLCH-USP.
ESPINOSA, B. de. Spinoza Opera. Ed. de C. Gebhardt. Heidelberg: C. Winter, 2ª ed. 1972, 4 tomos.
CHAUI, M. Ser parte e ter parte: servidão e liberdade na Ética. Discurso, no 22, 1993, p. 63-122 (publ. do Depto. de Filosofia, FFLCH-USP).